
Saúde Ambiental e Envelhecimento: conseqüências da interação Homem-Ambiente
Amélia dos Santos e Oswaldo Campos Junior
Resumo
Este artigo de opinião e reflexão, aborda de modo multidisciplinar à problemática das relações entre o ambiente e o envelhecimento humano, representando uma abertura das Ciências Biológicas à problemática do envelhecimento, através de uma serie de exemplos, na busca da compreensão holística dos desafios causados pela vida de hoje. Várias causas do envelhecimento relacionadas ao ambiente são abordadas buscando apontar uma serie de considerações que estimulam a reflexão sobre o tema: Ambiente-Envelhecimento. O artigo mostra de forma despretensiosa que é urgente e necessária a conscientização de que a base de nossos problemas reside na falta de interação Homem-Ambiente e que um esforço entre educação em saúde e educação ambiental é premissa para a melhoria da qualidade de vida.
UNITERMOS: Educação Ambiental; Saúde Ambiental; Envelhecimento
Segundo Azevedo 1998, “a passagem da infância para a idade adulta é considerada um processo de amadurecimento”. Quando chegamos a terceira idade, somos o resultado de todas as características desenvolvidas neste processo, somadas àquelas da relação com o meio em que vivemos, e é claro, àquelas individuais com as quais nascemos e desenvolvemos durante toda a nossa vida.
Desta forma, o processo de envelhecimento é natural e pode ocorrer de forma saudável, dentro de “um bem estar físico, psíquico e social do ser humano” (Grynszpan, 1999), ou sofrer aceleração, sendo acompanhado da presença de doenças.
O processo de envelhecimento orgânico está ligado a alterações estruturais e/ou funcionais, típicas desta fase de amadurecimento, como queda da imunidade, variação da produção hormonal, predisposição hereditária a certas doenças, perdas celulares e queda de funções de manutenção do processo vital. Isto somado às relações atuais com agentes ambientais agressivos, sejam em termos globais ou do entorno, potencializam virtualmente o envelhecimento precoce, hoje uma realidade mundial. De acordo com Rondó Jr. 2000, nunca nenhuma geração esteve tão exposta a estas agressões como a nossa.
Se pensarmos em agentes agressivos em termos globais, chegamos mais facilmente à identificação de alguns do que de outros. Por exemplo, Johansson et al 1993, apud WHO 1999, diz que nos próximos cinqüenta anos, os combustíveis fósseis e de biomassa, certamente continuarão a ser usados como principal fonte de recurso energético no mundo, e observa que de sua combustão partem os principais poluentes do ar, como CO2, CO, NOx, SO2, hidrocarbonetos e partículas.
Estes poluentes determinam diretamente impactos sobre a saúde humana e, especialmente em grupos mais fragilizados à exposição, como idosos e crianças, em termos de intoxicações e principalmente sobre o aumento de doenças que afetam o aparelho respiratório.
Impactos sobre a saúde humana, determinados por outros tipos de agentes ambientais agressores, como a depleção da camada de ozônio e mudanças climáticas, já não possuem fácil nem tampouco simples, identificação e quantificação.
Sabemos que o aquecimento global, ligado em parte à depleção da camada de ozônio e aos gases de efeito estufa, provocam variações de temperatura regionais que incidem sobre as máximas de verão e mínimas de inverno, além de causarem alterações nas curvas de precipitação de algumas regiões.
Este fato produz um estresse térmico, com substanciais ondas de aquecimento, redução de temperaturas mínimas ou mesmo de temporadas de inverno, potencialização do efeito da poluição aérea, deterioração da qualidade de produção e conservação de alimentos e potenciais mudanças na distribuição e ocorrência de vetores de doenças. Além disso, estabelece condições favoráveis ao desenvolvimento dos ciclos de vida de organismos patogênicos, e por vezes, esta situação é agravada pelo aumento de transmissão de doenças via água e alimentos, em associação com a ocorrência de enchentes, devido às alterações das curvas de precipitação locais.
Tudo isto gera impactos diretos e/ou indiretos sobre a saúde humana, em especial sobre grupos etários mais avançados, onde a condição orgânica o habilita menos habilmente a enfrentar estes agentes ambientais agressores. Decorre daí um aumento da mortalidade e morbidade associadas tanto aos eventos específicos das mudanças climáticas do tipo de ondas de calor e frio, como das doenças emergentes e ressurgentes por elas estabelecidas.
Quando pensamos na rede causal que tem favorecido o envelhecimento precoce, não podemos deixar de lado a análise dos agentes ambientais agressores do nosso entorno, relacionados mais intimamente ao nosso estilo e qualidade de vida.
A atenção sobre a inter-relação saúde-doença-alimentação, já é preconizada por Hipócrates, na antiguidade clássica: “O alimento é o seu remédio; e o seu remédio é o alimento”. As investigações científicas a este respeito, iniciam-se com Lavoisier e Liebig no século XVIII e a partir daí, houve um avanço rápido do conhecimento em relação não apenas ao valor nutritivo dos alimentos, mas também das influências negativas e positivas decorrentes de sua ingestão prolongada sobre o organismo, especialmente sobre o sistema imunológico.
Rondó Jr. 2000, destaca a relação direta entre este avanço no conhecimento científico e a industrialização dos alimentos. Reconhece, porém, que não obstante desconhecermos a importância e a necessidade da industrialização, não podemos deixar de registrar a contribuição deste processo à perda de propriedades positivas dos alimentos, bem como um aumento da presença, na alimentação diária, de elementos prejudiciais à saúde.
Segundo a visão da Medicina Preventiva Molecular, Saúde e Doença podem ser definidas como “um estado criado pelo impacto sobre a genética individual, transformando as moléculas no ambiente interno e externo”. Esta visão facilita o entendimento das razões que determinam o aumento de cansaço, fadiga, memória fraca, problemas gastrintestinais, estresse e doenças degenerativas.
Pensando molecularmente, identificamos dois grupos de moléculas: envelhecedoras e conservadoras. As primeiras causam ou facilitam as mudanças na fisiologia ou na fisiopatologia molecular do envelhecimento e da agressão causados por infecções ou agentes ambientais; as segundas promovem a neutralização da atividade envelhecedora e previnem a agressão molecular. Neste sentido, a análise do oxigênio é paradoxal. Ao mesmo tempo, representa o início e o fim da vida. Células e tecidos necessitam de oxigênio para estarem vivos, porém é a oxidação, um processo espontâneo e natural, que também os envelhecem.
A oxidação é o fenômeno base no processo do envelhecimento, não obstante o organismo, em condições normais, possuir formas de preservar a saúde através de outro processo bioquímico, a redução, realizada pelas moléculas conservadoras. Entretanto, este efeito neutralizante pode deixar de ser suficiente, quando houver acúmulo de impurezas e substâncias agressoras, podendo causar desde cansaço até doenças degenerativas. Um bom exemplo disto são os radicais livres. De todo oxigênio que respiramos, 95% serão usados para a geração de energia, porém, os 5% restantes são transformados no organismo em radicais livres, como superóxido, peróxido de hidrogênio e radical hidroxila (Rondo Jr., 2000).
Além do oxigênio, outros elementos também geram radicais livres, como alimentos que contêm agrotóxicos, aditivos, estresse, tabagismo, radiação, algumas drogas sintéticas, transplantes de pele ou órgãos, toxicidade por metais pesados, poluição, etc.
Outro ponto importante e problemático de se observar é a água, tão necessária à manutenção da vida. É constituinte de 65 a 75% do nosso corpo, mantém o sistema equilibrado, descarrega excessos e toxinas, lubrifica a pele, regula a temperatura corpórea, age como um absorvente de impacto para articulações, ossos e músculos, acrescenta minerais necessários e transporta nutrientes, minerais, vitaminas, proteínas e açúcares para assimilação. Se por um lado a água é tão importante e necessária, por outro lado temos um problema sério: o tipo de água de que dispomos para consumo.
A maior parte de nossa água potável, hoje é tratada com cloração e fluoretação. A adição do cloro à água é para se evitar o crescimento de fungos e bactérias nocivos. Apesar disto, hoje se conhece o fato de que a combinação do cloreto com a gordura advinda da alimentação, forma uma substância pastosa que aderida às paredes arteriais, propicia o aparecimento de arteriosclerose e doenças cardíacas.
Além disto, quando o cloro é adicionado à água, reage com ácidos presentes nos reservatórios, formando o trihalo-metano, associado ao aumento do risco de câncer. Por outro lado, a fluoretação, importante na redução de cáries, também interfere na ação de algumas enzimas, agride a formação normal do feto, atua na formação da úlcera gástrica, cistite e enxaqueca, potencializa o acúmulo de alumínio, o que pode gerar e agravar a osteoporose e potencializar a manifestação da doença de Alzheimer.
Em adição aos possíveis efeitos do tratamento dado à água potável, outros agentes contaminantes podem veicular doenças sérias associadas a parasitas, vírus e bactérias, bem como, por infiltração e contaminação de lençóis freáticos, por pesticidas, radioatividade, aditivos da gasolina, solventes de limpeza, metais e produtos desinfetantes, hoje correlacionados não somente à má formação do feto, como também ao câncer de pulmão, fígado, rins e doenças do coração.
Em relação ao restante dos alimentos, somos submetidos, a cada refeição, a agressões ao nosso sistema orgânico, que vão desde a perda parcial de nutrientes importantes, à ingestão de substâncias nocivas à saúde, como pesticidas e agrotóxicos em vegetais, antibióticos e hormônios em pequenas dosagens, usados para garantir o êxito de criações de animais, conservantes e aditivos. Nessa medida, é possível entender as razões pelas quais os relatórios da OMS (apud Pascalicchio, 1998) afirmam que 75% dos 49 milhões de mortes por ano devem-se a doenças relacionadas a questões ambientais ou estilos de vida.
O que podemos depreender de tudo isso é que o processo natural de envelhecimento, nunca esteve tão ladeado por tantas situações de risco ao aparecimento e desenvolvimento de doenças e a consequente aceleração do processo.
É urgente e necessária, portanto, a conscientização de que a base de nossos problemas reside na falta de interação Homem-Ambiente, que trouxe e continua trazendo sérias consequências, entre elas o aparecimento de doenças e incapacidades físicas.
Segundo Castellano (s/data), “a ação de cada um repercute na vida de todos e toda destruição ambiental torna-se uma forma de agressão coletiva”. Assim, uma Educação que se oriente para a interação Homem-Ambiente se depara com um problema de dupla natureza: cognitiva e ética.
Desta forma, torna-se imperativo que haja além de um trabalho permanente de integração entre educação em saúde e educação ambiental, uma integração entre Instituições de Pesquisa, Empresas e Governos, no sentido de relacionar a educação em ciência a aspectos econômicos e éticos, de forma que futuramente possamos ter um panorama melhor em termos de qualidade de vida de forma geral e de uma vida longa e livre de doenças incapacitantes.
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, J. R. D. Ficar Jovem Leva Tempo: um guia para viver melhor. São Paulo, Ed. Saraiva, 2ª ed., 204p., 1998
CASTELLANO, E.G. (ed.) Desenvolvimento Sustentado: Problemas e Estratégias. São Paulo, CNPq/FAPESP 421p., (s/data)
GRYNSZPAN, D. Educação em Saúde e Educação Ambiental: uma experiência integradora. Rio de Janeiro: Cad. Saúde Pública, 15(Sup. 2): 133-138, 1999
PASCALICCHIO, A.E. A questão ambiental e a saúde sob a ótica da sociodiversidade: Estudo do caso de São Sebastião. In: VEIGA, J.E. da (org.) Ciência Ambiental-Primeiros Mestrados. São Paulo, PROCAM-USP p.40-57, 1998
RONDÓ JR., W. Prevenção: A Medicina do Século XXI – A Guerra ao Envelhecimento e às Doenças. São Paulo: Ed. Gaia, 239 p., 2000
WHO – World Health Organization - Regional Office for Europe Early Human Health Effects of Climate Change. Italy: EUR/ICP/EHRO 02 05 02, p.1-17, 1999
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